Perdido faço o caminho embrenho-me na calçada embalado pela cadência triste dos passos. Suave. Aconchego-me na cantiga inevitável de vida. O lamento do peso temporal que sou. Viajo de mente vazia. Ouço-me. Percorro o repetido padrão como quem busca a leve distracção do calceteiro. Como quem a deseja encontrar. E a tendência é sempre para abrandar. Quase até ao vagueio. Absorvido de som acelero de quando em quando numa simples mudança de ritmo. Não será o que mais nos comove e extasia? O que no fundo nos move? O ritmo? A batida? Dum passeio na calçada dum peito no abraço duma dança no colchão. Impregnados de vida. Sinto-te em ritmo na fronte no peito na pressa súbita dos passos. Um sorriso tira-me do sério e deixo as pedras deixo o chão visito-te num simples fechar de olhos e sorrio-te onde agora moras. Sorrio-te por detrás das pálpebras. Pergunto-me se sorririas se o soubesses. Talvez to diga um dia. Talvez o saibas já ou desconfies que importa? Dá-me a mão para que te furte um beijo. Olha-me no fundo dos olhos… Vês-te?
do It. sbozzo s. m., delineação inicial de uma pintura, escultura ou desenho; bosquejo; fig., resumo; sinopse.
29.1.07
23.1.07
21.1.07
perdes os sentidos e deixas-te levar pela caneta. deixas-te fluir em tinta embrenhas-te no papel. abraça-lo. carimbas a alma letra a letra num desperdício de folhas. escapas-te por onde podes e acabas sempre no papel num emaranhado de teias pretas à espera da presa… à tua espera. teces o teu destino inglório repetidas vezes. vezes demais. desabafas envolves-te na teia. tiras as máscaras e massacras a hipócrita visita. outro tu outra face e tu de novo. sem máscaras? apenas outra face. máscaras… disfarces patéticos do que julgavas ser. e o que és? sem máscaras? que máscaras? sentires o que és e não o dizeres? ou não o saberes de todo? máscaras? e riscas folhas riscas palavras e reescreve-las. mergulhas as máscaras no papel. desabafas. e riscas de novo. tentas um desenho e saem-te palavras. não as impedes. quase as incitas a aparecer e elas surgem uma a uma num consolo reconfortante. embrenhas-te desabafas e no escuro da folha deixas o carimbo do que não sabes ser…
19.1.07
não quero o riso nem o calor não quero euforias alegrias não quero abraços nem quero amor não quero dar receber não quero estar preferia não ser não quero pena nem temor não quero olhares não quero dor não quero o dia nem o luar não quero a noite ou o mar não quero o sol as estrelas não quero sentir ou pensar não quero ouvir não quero falar não quero rir nem chorar. hoje quero só amargurar…
18.1.07
Era noite. Escura como breu. Um nevoeiro sombrio e húmido acompanhava-o no caminho. Abraçava-o ao passar. Apertava o frio entre as mãos que bafejava de quando em quando. O frio gélido forrava-lhe os pulmões num respirar ofegante. O rosto inexpressivo e rubro transpirava a saúde que lhe ardia no corpo. Que lhe ardia de esforço e cansaço no atravessar da noite. No atravessar com a noite mais um trilho espinhoso do caminho. Um trilho silvestre que lhe agarrava as calças ao passar as mangas num leve descanso de braços, no balançar de equilíbrio dos passos. Agarram-no como garras do passado tentam rasgar-lhe as vestes sangram-lhe o coração. Ainda assim há que seguir. A cidade é já ali. A meta aproxima-se a cada passo que a seguir ao outro parece ainda mais pesado e penoso. A cidade é já ali mas não via as luzes nem ouvia as vidas escondidas por detrás de muros e paredes aparentes. A lama começava a colar-se-lhe aos pés a terra ensopada entorpecia-lhe o andar e ainda assim ele seguia. Sem nunca olhar para trás sem nunca perguntar porquê. A sede de chegar absorvia-o quase tanto como o medo desse fim. E nunca parava. Nunca. Foi na aurora quando sentiu a manhã chegar quando tudo começou a mexer e o mundo chamou pelo sol numa ânsia de vida que ele se sentou. Respirou fundo mergulhou o rosto no frio das mãos e chorou pela última vez e pela primeira não quis nem precisou de procurar a cidade…
17.1.07
Engulo o grito que me quer fugir. Amarro-o na tentativa vã de ser mais forte ou de o parecer. Embrenho-me num mundo de vidas anónimas que evitam tocar-me. Rostos breves sem nome ou passado. Rostos sem sorrisos sem olhar. Poeiras ainda vivas do apocalipse que somos do que no final haveremos de ser. Lentamente alinham-se os astros como previsto em direcção ao último amanhã…
11.1.07
Por entre o ruído borbulhante das gentes descubro uma melodia sob um fundo de vidas agitadas. Serei o único a ouvi-la? Se não também não te consigo dizer quem a ouve comigo. Descobri-a e desde esse momento sobrepôs-se a todos os burburinhos. Deixei de ver a gente e uma paz inundou-me. Ouço-a sozinho apertado pela multidão…
Dias maus noites piores. A cabeça a rebentar-nos o juízo. A empurrar-nos para o sonho que teve que ficar a meio. Talvez a menos de metade. Tanta vida para mudar tanta ideia para perceber tanto caminho para escolher. Tantas razões para o não fazer… tanto vazio por preencher. “Escrever um livro plantar uma árvore ter um filho”. Tentar ser feliz ao fazer alguém feliz. Rir em lábios que não os nossos vermo-nos noutros olhos num gesto só! Ter a vida segura num olhar. E ser o pouco que ainda assim se possa ser…
5.1.07
Fechei no eterno escuro da alma sonhos vontades quereres. Tanto por fazer e por dizer. Tanto. Tanto ainda por sonhar. Já tanto por sonhar. Por ter ao menos vontade. Queima-me a ausência de essência. Amarga-me a solidão num viver dia após dia na imutável roda gigante de vidas de néon rasca e baço. Mornas. Luzes foscas vidas entediantes. Estáticas. Fechei cores sons saudades memórias sonhos talvez até vidas quem sabe… espremo o peito num agudo ai de agonia. Mudo. Queima-me no escuro do ser…
E tento lembrar o mar…
E tento lembrar o mar…
4.1.07
Embrulha-te no silêncio e escuta-te. Ouve-te de dentro para fora. Sabes quem és? Sabes o que és e como o sentes? Já te ouviste berrar no escuro? Já te invadiu a vontade de estares só? Já te esmagou a solidão? Embrulha-te. O ruído do mundo aperta-te num torno de vida sufocante. Asfixia-te e rouba-te o olhar e tudo o que com ele não precisavas dizer. Li-te num tempo que não lembro um conto de fantasmas moribundos. Ruidosamente aterradores e sós. Embrulha-te. A frieza do ruído pode um dia congelar-te. Tens frio? Sabes quem és? Escondes-te e num mar de gente afogas-te na solidão.
Embrulha-te e diz-me quem és…
3.1.07
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