.esboços

do It. sbozzo s. m., delineação inicial de uma pintura, escultura ou desenho; bosquejo; fig., resumo; sinopse.

3.3.15


a perenal batalha de vida que trazes presa a farrapos de couro não é senão dentro de ti e em terra infértil se travam como tu perdidas batalhas arremessos brutos de nada em campo cruzados como nos braços lampejos escarlate e mudos fragmentos carentes de voz cresce por dentro a guerra sem quem a possa parar sem que te caiba estéril lugar ou lenda criada capaz de o contar.

talvez não te caiba a história talvez te não caiba lugar



14.7.14


- .. espero o amor - de olhos pregados no que podia bem ser o horizonte - espero o amor que me leve..
- mas nada mais há aqui para além de um fecundo cheiro a morte! - soaram as palavras como se não tivessem soado.
- .. espero o amor. espero o amor que me leve. chama-lhe o que quiseres, daqui já só saio com o amor..
 

21.4.14


Abraça-me! Com a força toda que tens! Abraça-me como se fôssemos, num único ser, fundir-nos. Beija-me como quem expia os demónios vivos dum corpo sacramentado. Porque tremes? – perguntas num balbúcio ofegado ao ouvido. Mas não sou eu já quem treme é só o corpo que, mortal e térreo sabe ter que um dia deixar-te. É só a parte feita carne imbuída do inevitável medo que a domina. E o medo é todo corpóreo e orgânico, o medo é todo animal. Abraça-me e deixa que os corpos se entendam, deixa que dancem na nudez fria que embala a noite. Abraça-me. Leva-me o medo na íntima volúpia dos corpos, deixa que colem as almas entre arrebatados calafrios. Enche-me de amor para que o medo não possa caber em mim. Não tenhas medo! – suspiras no entrançar do que pode bem ser um nó já cego de corpos – De que podes tu ter medo? – murmuras em tom retórico como quem não espera resposta, e respondo: De ti. Tenho medo de ti, tenho medo de mim. Tenho medo dos corpos voláteis e frágeis que carregamos juntos, que misturamos e entrelaçamos em deleite e em delírio. Tenho medo do deleite e do delírio. Tenho medo que um dia não haja já medo pra ter, que um dia acabe a volúpia, que um dia acabem os corpos. És jovem, és bela! – dizes em tom de consolo sem que anua ou me conforte. São trinta e cinco, metade dos corpos está gasta. A metade mais viva! A metade maior! Abraça-me. Quem dera gastássemos num só instante o que ainda há-de restar. Num fôlego, num instante sem medos, culpas, remorsos, pudores… todo o resto que houvesse ainda de ser destilado de uma vez no mais pequeno espaço que no tempo se pudesse conter. Abraça-me, funde-te comigo para que não caiba medo entre nós. Funde-te comigo condensa o tempo, se o não páras, todo num último instante. Não tremas, estou aqui. – dizes ainda em consciência e antes de perdermos sentidos escuto-te balbuciado o meu nome entre sorrisos. Abraço-te com a força toda que tenho e sem espaço físico onde possam caber temores perco-me em êxtase inebriada no infinito de ti.




26.5.13


a tarde ligeira depois da hora.

em brando arrimo no respingado bafejo do manto de uma lua cheia há pouco.
a trança de pernas rematada a calcanhar e nádega
e a pele em bronze tom desembaraçada de vestes
casca da vida morna da carne e pulmões cheios de mundo.
quietude arreigada na caixa expiatória morosa cadência.
a mente desarreada vertiginosa num depois da passarada.
cega segue vazia veloz nem credos nem crenças nem fés
pro cura a busca de nós de casca quieta mundo sem pés
sem ladaínhas sem glórias sem caminhos sem estórias
cem sentidos sem sentido o corpo quieto sentado
o ser em vida pasmado vozes caladas perdida razão
tais caminhos tais fados ancorado tronco alma balão
escolhas apostas roleta dados
do dia passado o ocaso o puro acaso é que não



20.3.13


ei-la que airosa irrompe traja leve a luz e cor
descalça desliza entre prados manados de fresco verdor
rendilha a lonjura dos dias das noites furtando o temor
traz no regaço um chilreio atrás da lapela uma flor

semeia sorrisos no rosto amores tímidos paixão
ei-la que chega em preparos ei-la de novo até ao verão



12.2.13


A tarde segue ligeira se ali vais. Esquiva-se serpenteada nas agulhas do tempo. A eternada insipidez às voltas entre pretensos voos de cuco. E ei-lo se a hora se diz a certa. O tempo cantado as horas contadas a uma. E vão cinco – ou já seis? O tempo não te empurra se ali vais. Passa sem que se note como se não passasse. E quanto por ali passou… Declarado a toda a volta, estampado em paredes e tecto, esbatido em abat-jours, toado nos sonhos girados em disco. Ao alto rasgado no papel das paredes ergue-se o inverno do mundo. Imenso para lá do vidro. Do lado onde queima de frio a pele, onde a trespassa e toca o osso. Do lado em que brilha, ainda e por pouco, o sol. Onde cai, a cada dia mais tarde, o escuro que embala a noite e espalha em horizonte a tom pastel o pouco que resta do que foi luz. Em frente rente ao pisar, uma alaranjada dança deixa-se acontecer e num crepitar de faúlhas respinga luz por toda a sala, na procura das brasas que hão-de chegar. Ali a tarde pousa-te as mãos. Amornada no adormecido chá da porcelana que susténs nas palmas. Acalenta-te a alma alenta-te a calma e no regaço da tarde de tempo aninhado no colo és sempre tu e o mundo teu.




18.1.13




perdeste-te na intrincada displicência do ser.. não há já vida que jorre da alma não há já alma que guarde amor.
perdeste-te.. desarraigaste-te da essência do valor. não há já choro que escorra na cara não há carne que saiba amor.
perdeste-te.. da vida dos homens do bem fazer no torpor. não há já pele que te acolha não há no caído do bolso amor.
perdeste-te em terra frieza estranha. não há já casa de morno conforto não há já lar que emane amor.
perdeste-te do estreito trilho da luz. não há já sol que te brihe não há já primaveras de amor.
perdeste-te ou deste-te à perda à ruína. não há já caos que te valha não há maneira de se ser amor.
perdeste-te num dentro de caminhos de divícia onde gigante te sabias sem rumo te sabias caos na solitude no lugar que te sabias bem
perdeste-te e no desabitado lugar do que sobras resta o vazio onde em tragos largos de sofreguidão engoles a frivolidade que sobeja ao mundo

perdeste-te. que raio fazes aqui? que demónios fazes de ti?



4.12.12


deixas que te estraguem as palavras deixas que as palavras te estraguem deixaste-as gastarem-se em tempo deixaste que o tempo as gastasse pousadas na ferrugem velha de um chaveiro para ali atiradas rendidas ao passar de dias que não passam dias de outrora perdidos no canto esquecido da memória deixas que ali sequem deixas que te sequem em linhas salgadas no rosto deixas que arrefeçam deixas-te arrefecer no murmúrio inaudível das gentes que não são tuas das gentes que não querias ser deixas e aos poucos para trás te deixas deixas que amarguem e que te amarguem deixas que esqueçam e que te esqueçam e em passos por demais pequenos deixas que deixem de ser deixas apenas de ser.




9.11.12




um dia tomamos um demorado café e guardamos, por momentos, todas as saudades no fundo do bolso…



 

30.9.12


não sou, isso sei-o, o que esperas. não o sou com uma força tão imensa como se apenas existisse para o não ser. correu-nos a vida ligeira até ao pingo do tempo onde muda e quieta como se eterna se nos mostra imóvel num frente a frente ali à frente ao largo de um toque, na infinita distância de um abraço partido, no amargo travo a sonho perdido. imóveis num frente a frente quieto e mudo. cai-me nas mãos o olhar que não me atiras ou talvez atires já não importa. e sem amarras seguro-o no junto das palmas na concha das mãos onde se aninha como em casa. não o espanto nem o guardo. fetal e sereno nas palmas se queda, nas palmas se deixa ficar. seguro-o longe do que esperas. sei não o ser como te sei a dor na alma. o pesar encastoado na alma arraigado no rafado de um forro de algibeira. por demais quieto em concha segurado o seguro repouso do teu olhar. vais em breve chorar e sabe-lo. e sei-o quieto contigo e imóvel me quedo. vais chorar e vai doer e como eu sabe-lo quieta e quieta comigo te quedas no desequilibrado balanço da estatia do momento. ali – crua e fria - de alma caída no fundo esquecido de um alforge atulhado de prantos e olhar repousado no esquizofrénico carinho de um louco…



 

29.9.12



morres a cada dia um pouco mais a cada instante sem que disso te dês conta. morres devagar porque amas e porque amas não se te morre todo o ser só num momento. porque o amor é vida é indissociável da morte da mesma forma que estas se não desligam. é condição de existência da vida do amor não se poderem dividir em partes. o todo faz-se das partes sem que nenhuma per si o complete. quem ama como quem vive fá-lo por inteiro ou vive na ilusão de o fazer. amar é beber a vida na felicidade do ser amado é ocupar a existência a construí-lo complementar-lhe o ser e deixar a vida acontecer-lhe. 

e quando recíproco torna-se a vida plena em cada ser e a morte não é mais que a plenitude da própria existência



 

28.4.12



é daqui que o verbo se vê. e é daqui que se vê tanto… de onde sem artifícios sem que valham artes ofícios emerge detrás do olhar e preso nos lábios no rosto apaga atrições e desgostos e pára o tempo no ar. vê-se sempre que é de dentro sempre que o corpo encolhe e assiste – conato desejo - num rompante num lampejo a alma rasgar o molhe saltar muros barreiras raias paredes fronteiras imposta à carne rendida às pernas já frágeis tremidas a todo o batuque do peito aos olhos brilhantes ao jeito ao sorriso à comoção transborda da pele pra fora enguiça-se noutro peito e sem sentido nem jeito nem forma de ser ou de estar rasga o sorriso perfeito de quem o vê conjugado quem sem destino nem fado nem nada que ter e que dar se sente por todo um tanto tido todo como dado querido em gosto estimado e noutro peito a morar…

o verbo inundado de mar *


 

15.3.12



porque um homem trocou de fim outros se seguiram em pilhas disfarçados de anjo-mau de meios perdidos na estrada e letras roídas nos bolsos. 

a poesia perdeu-se e o coração não soprou



 

23.2.12



As asas geladas de frio. Passo a passo num disfarçado pairar ergue-se a luz caída em manchas na calçada. Passo a passo entre foscos mergulhos de tempo e as asas presas de frio. Do frio que mastiga ossos. Do pálido escuro da noite um precipício de céu. Cristais que podiam ser sonhos. Tão perfeitamente gelados. Esculpidas em plumas. Um perfeito bailar de sonhos. Pequenas farripas de céu. E um silêncio maior que o mundo arremessado pelas fachadas atropelado por sombras a cada fosca mancha de tempo. E sob o pairar sonhos aos montes. Empilhados por todo o lado imersos no frio caiam a noite. As asas vítreas - frágil plumagem. Inutilmente belas. As mãos fechadas em si cheias de si. Braços tombados punhos gelados ensombrado pairar. Gritos estourados contra as fachadas cortantes calados por todo o escuro da noite. Esculpidas a frio. Os olhos presos no alto. Sentidos a cada passo em disfarçado pairar. Segue a dança cresce o manto sem que o olhe sem que o toque. O baile ali. Embalado quando em quando em baços sopros de luzes presas por vidros fartos de tempo. Foscas manchas, precipitados palcos de sombra. Esporas de frio algemas de gelo. A cada passo um pairar de retrato intemporal. O frio coberto na alvura do manto estendido em deslizante bailado na quietude nocturna. A existência em veemente volúpia. Niveal. Florescida. Incendiada de espanto, um tudo todo tão inteiro, tão maior que ser. Incrível fonte de sonhos. Alvas enormes. Envoltas de frágil cristal. Enormes ávidas de nova vida outros voos outras paragens. Lá longe no alto para lá do início das danças espectaculosa imensidão de sentidos.



 

23.12.11



és. quietude no descompasso do tempo. és. entrançado fogo-cacau em doce manto mate-baunilha. és. rosto-palco ténue-bailado ósculo-luz rubi-santé. és. vista quieta fitado vagar. mar-egrégio se te sentes verde-mel quando te vês. és. e o mundo de encanto parado para que sejas enquanto és.

aí quedo-retrato aí ficas a ser


 

4.11.11



quando à noite o mundo encrua e se faz mais lar e lugar vazio de vidas de gente sabem-se dentro sonhos daqueles de fazer doer por o serem para sempre. sonhos entrescutados por não se saber escutar porque não se quer escutar. já não se consegue escutar. sonhos que entre praguejos temores lamúrias bocejos uivos de carpidar se vazam entornam escorrem todos por sobre a lua cheia nova a desfasar. velozes vagueiam perdidos velados nas noites enormes nos tempos ali quedam ali ficam ali se hão-de quedar o tempo que resta às noites o tempo que ao tempo sobrar. leão de aguçado dente fugido furtado arrancado de sono tirado a gente. mundos de terra e pó entalhes rasgados de tempo estórias caducas estéreis espigas levadas na noite crivadas em traje de breu definham em peito sombrio. num talvez… talvez no teu

haja ao menos e assim valha a cada noite outro sonho


 

31.8.11



tropeças. cais ao chão e como cacos espalhas a alma toda nos ladrilhos da calçada no frio pétreo das ruas. a alma toda espalhada como charco pisado de chuva, pesada lama de inverno. e ali a deixas olhada do lancil onde repousas - onde te sentas que o repouso é coisa de gente de paz. dali a olhas: urbana trincheira frio empedrado. dali choras o charco derramado em tom de sangue cheiro a morte. rendição pendurada no olhar que nada diz baço-calçada rebolado rosto abaixo explodido a cada gota na poeira entrincheirada do lancil. segues caminho e sem tropeços a cada passo vês-te cair

 

2.8.11



não vou nunca poder apagar os momentos de lucidez e loucura. de exagero desmesurado. e loucura. sempre a loucura… lúcida! tão lúcida. e tu absorta no simples facto de seres tu e poderes sentir assim. por sentirmos assim. na pele num beijo. tão lúcida! perdidos em vagas de cor intermitente. na luz. e sempre tão lúcida! astuta! prega-nos os corpos – a loucura. e tu sabe-la. tanto ou mais que eu. e rio enquanto a incitas. o lugar não é ali. o tempo não é o nosso… só o verbo no brilho dos olhos… e no sorriso onde dormes exausta de embriaguez. e sabes? vejo-te. vejo-te…

vejo.te


 

10.7.11



há dias que dou por mim sentado à beirinha do pensamento olhos tombados na noite pernas presas no chão. ao longe quieto o mar - ah quem dera ali estivesse - ou revolto às voltas dentro de si e eu em mim feito mar implacável degusto horas que demoram a passar que não sabem passar devagar… as horas! o tempo feito maldito contado para que se saiba letal arrasta-se distraído que o tempo não pode parar ou não quer. talvez já não queira e quem quer? seguro-me um pouco mais num tempo que há-de esgotar. e ainda…






 

29.6.11



passo ante passo preso a passos passados preso a passos pisados pegadas à toa rumo esquecido fado perdido tortuoso caminho incerto destino ávida busca passo ante passo fado esgotante perseverante amanhã