do It. sbozzo s. m., delineação inicial de uma pintura, escultura ou desenho; bosquejo; fig., resumo; sinopse.

27.4.08

Sentado no crepúsculo à beira-rio sobre os sonhos que inventa a cada dia para que lhe não morra a alma nem o corpo onde ainda mora e tanta falta lhe faz. Onde sem escolha tem que morar. Já pensara atirar a supérflua morada ao rio. Livrar-se do incómodo e trôpego peso a carne. E o que lhe pesa… perdeu a leveza e fulgor de outros tempos. Do tempo em que a matéria quase apanhava a fantasia e a acompanhava em loucuras imputáveis à idade. Do tempo em que lhe não sentia o peso em que o não arrastava pela calçada… quando corpo e alma eram um só. Do tempo em que o corpo levava a alma mais além, para depois do pensar e mais ainda. Quando voavam com a luz a par e passo num punhado de metros de corredor e se abrigavam entre muralhas impenetráveis de almofadas ou na infinita profundeza de uma gruta de lençóis. Quando as princesas moravam sós na mais alta torre do sofá e o bravo cavaleiro ia veloz em missão de salvamento a galope de vassouras. No tempo em que o ser era uno e o corpo um aliado. Agora nada lhe dá senão trabalho e precária morada. Já se enchera de vontade de o calar. Desocupá-lo no destino da corrente feito barco de papel. Dar-lhe bilhete de ida até ao mar. E é sempre na inclinação do mergulho quando o olhar respinga o espelho d’água que uma súbita saudade lhe atesta o peito e lhe acelera a cadência no vazio que enche de ritmo morno. Sente-se. Em palpitações plenas de vida. Comove-se. Foge-lhe a lágrima doce em sal serpenteando os vincados sulcos da face. Os traços minuciosamente esculpidos a tempo as doces marcas do viver do viver muito do viver em quantidade. Guarda-se o quanto na pele e no peito o seu valor. E tanto lhe vale o quanto tanto lhe valem aqueles sulcos… e toda a vida que por eles passou talvez já toda. Um arquivo repleto de memórias lá no sótão. Revolve-o. Onde as fronteiras e o tempo são voláteis onde se moldam a cada pensamento. E assim, livre de amarras com o sal cristalizado por entre as pregas da face ergue o corpo que amparado na bengala corre veloz por entre as vidas arrastadas da cidade. Vidas resumidas a corpos que hão-de um dia perecer em esquecimento vazios de luz. E de casa amparada no bordão toma novo sonho ou outro antigo e voa com a luz ou para lá dela entre princesas e castelos e muralhas veloz no dorso imaculado de unicórnio livre de tempos corpos ou amarras livre da leve fadiga de criança… e entre lembranças soltas a galope impele agora aos poucos o peso que o persegue a toda a hora os pesados passos de um sorriso a cada dia mais inteiro em verdade e em memórias.

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